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No último artigo foi desmistificado o recurso a alongamentos como medida única de prevenção de lesões, o que provavelmente deixou o leitor a pensar "como posso então diminuir o risco de lesão?". Existem vários tópicos-chave no que diz respeito à prevenção que, quando combinados e abordados de forma adequada, poderão reduzir drasticamente o risco de lesão. 
O Fisioterapeuta (profissional com habilitações de ensino superior) é o profissional mais indicado para a prescrição e indicação de exercício terapêutico e preventivo, uma vez que consegue relacionar a análise de movimento com a prevenção e a patologia. O Fisioterapeuta não sabe apenas fazer massagens, nem tão pouco é um massagista (é incrível como ainda existem inscrições de massagistas nas federações nacionais, não existindo a função de Fisioterapeuta em algumas...). Aliás, a verdadeira Fisioterapia raramente utiliza uma massagem como ferramenta de trabalho. O principal papel do Fisioterapeuta do desporto não se centra, na minha opinião, na reabilitação de lesões contraídas pelo atleta, mas sim na prevenção do aparecimento das mesmas, assim como na definição de estratégias para contribuir para o aumento de performance e desenvolvimento das capacidades atléticas. É possível reduzir a taxa de incidência de lesões ocorridas ao longo de uma época seguindo uma metodologia rigorosamente definida e adaptada à realidade do grupo de trabalho, e a percentagem obtida irá refletir a qualidade do trabalho realizado pelo departamento técnico e clínico do clube, sendo que quanto mais baixa maior é a qualidade do trabalho realizado (salvo lesões traumáticas).
Uma vez que o número de Fisioterapeutas no universo do hóquei em patins ainda é bastante escasso, este espaço será enriquecido com algumas informações e dicas para fisioterapeutas, treinadores, preparadores físicos, atletas e outras entidades ligadas ao hóquei ou desporto em geral.
Neste artigo será abordado o exercício excêntrico como metodologia preventiva, sendo cada vez maior o número de estudos científicos que comprovam a importância e eficácia do mesmo.
Existem 3 tipos de contração muscular: concêntrica (capacidade de acelerar o movimento vencendo uma resistência externa - contração em encurtamento), isométrica (capacidade de manter a estabilidade igualando uma resistência externa) e excêntrica (capacidade de "travar" o movimento perante uma força externa superior - contração em alongamento). Perante estes breves conceitos, podemos assumir que todos os gestos técnicos e movimentos no desporto são compostos por acelerações e travagens, ou seja, uma sucessão de contrações musculares concêntricas e excêntricas. 
Historicamente sempre se deu grande ênfase ao treino da capacidade do músculo acelerar o movimento, concentricamente, deixando a fase de desaceleração (excêntrica) para segundo plano, ou ficando mesmo no esquecimento. Através da análise de movimento, a literatura atual defende que uma importante parte das lesões musculares ocorre na fase de desaceleração do movimento, ou seja, quando o músculo é solicitado para contrair excentricamente. No caso dos isquiotibiais (flexores do joelho), grande parte das lesões ocorrem na fase de desaceleração da corrida, ou seja, antes do pé entrar em contacto com o solo. Se treinarmos apenas a capacidade concêntrica de um músculo, apenas estamos a desenvolver a sua força concêntrica, esquecendo a capacidade excêntrica do músculo, que quando é deficiente é responsável por grande parte das lesões musculares. Fazendo uma breve analogia, não faz sentido aumentar a capacidade de aceleração de um automóvel sem aumentar a eficácia dos travões, o que aumentaria o risco de colisão. No corpo humano o funcionamento é semelhante.
A reduzida capacidade excêntrica de um músculo é, indubitavelmente, um dos maiores fatores de risco de lesão, e que existe em atletas aparentemente em boa forma física, inclusive de alta competição. Um exercício para fácil compreensão: quantos atletas conhece que, apesar de estarem em aparente grande forma física, têm lesões musculares? Certamente conhece alguns exemplos. Sempre se associou ao conceito "não alongou", mas muito provavelmente tem como causa o défice de capacidade excêntrica. A força excêntrica de um músculo, ou seja, a capacidade de contrair em alongamento provocando desta forma a desaceleração do movimento, deve ser treinada e desenvolvida, sendo um dos aspetos fundamentais na prevenção de lesões.
Existe pouca bibliografia acerca do hóquei em patins e sua biomecânica, mas parece-me extremamente pertinente o ênfase nos músculos isquiotibiais (flexores do joelho) e adutores (permitem a aproximação dos membros inferiores em relação à linha média do corpo), visto que serão provavelmente dos grupos musculares mais "agredidos" nesta modalidade, tendo em conta o número de lesões observadas.

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Músculos isquiotibiais e adutores

Recorrendo a 2 exercícios bastante simples (existem muitos outros), e sem utilização de aparelhos de musculação (os grandes culpados pelo esquecimento da contração excêntrica, assim como a diminuição do funcionamento dos músculos estabilizadores, com consequente diminuição da funcionalidade) será possível reduzir de forma bastante considerável o risco de lesão destes grupos musculares. Em apenas aproximadamente 30 minutos semanais, poderemos reduzir drasticamente a probabilidade de contrair lesão muscular, o que obrigaria à paragem da prática desportiva por várias semanas. 
Dada a crise financeira atual (uma vez que tempo é dinheiro), e sobretudo em alta competição, é extremamente pertinente dedicar parte do treino à prevenção, não concorda? Um atleta, seja dos escalões de formação ou profissional, é um investimento do clube, pelo que apenas poderá gerar retorno se estiver em atividade e a 100% das suas capacidades.
O exercício nordic hamstrings tem sido vastamente descrito pela literatura recente como um exercício bastante simples e eficaz na prevenção de lesões musculares dos isquiotibiais. Realizado em par, consiste na travagem do movimento de extensão do joelho em cadeia cinética fechada (extremidades fixas, neste caso os pés), tendo como resistência o próprio peso corporal. De nível de dificuldade inicialmente elevado, mas que com a prática consegue ser perfeitamente exequível por atletas de diferentes idades.

  
Para aumento da capacidade excêntrica dos adutores, um exercício de fácil execução é o deslizamento lateral do membro inferior, controlando a travagem, sobre uma superfície escorregadia (idealmente um slide mat, como pode verificar no vídeo abaixo), treinando desta forma a capacidade de travagem no afastamento dos membro inferiores em relação à linha média.

 
Estudos recentes concluíram que o treino da capacidade excêntrica de um músculo é mais eficaz quando realizado em estado de fadiga, uma vez que a maior parte das lesões musculares ocorrem nos minutos finais de cada jogo, assim como torna o seu efeito preventivo mais duradouro. Deste modo, parece ser pertinente a utilização da metodologia excêntrica num momento após o treino, de modo a conseguir um maior transfer de prevenção para a competição. Outros estudos também sugerem que uma sessão semanal é suficiente para manter os efeitos desejados.
Não existe grande consenso quanto ao volume de treino, mas são habitualmente utilizadas 3 séries de 15 repetições.
De uma forma resumida, a metodologia excêntrica dos isquiotibiais e adutores atrás descrita, com sessões semanais de 3 séries de 15 repetições realizadas pós-treino, são um importante fator preventivo de lesões musculares em jogadores de hóquei em patins, diminuindo drasticamente a incidência de lesão muscular. Nos próximos artigos serão abordados outros fatores importantes na prevenção de lesões, que deverão ser adoptados por atletas/treinadores de modo a aumentar a sua performance atlética. Porque prevenir é o melhor remédio.

Luís Mesquita
(Licenciado em Fisioterapia, pós-graduado em Fisioterapia Manual Ortopédica pela Curtin University of Technology; Fisioterapeuta do Futebol Clube do Porto Dragon Force Hóquei em Patins)

BIBLIOGRAFIA
1.PASCHALIS, V., NIKOLAIDIS, MG., THEODOROU, AA., PANAYIOTOU, G., FATOUROS, IG., KOUTEDAKIS, Y., JAMURTAS, AZ. (2011). "A weekly bout of eccentric exercise is sufficient to induce health-promoting effects". Med Sci Sports Exerc Jan 2011;43(1):64-73
2.IGA, J., FRUER, CS., DEIGHAN, M., CROIX, MDS., JAMES, DVB. (2012). "Nordic’ Hamstrings Exercise – Engagement Characteristics and Training Responses". Int J Sports Med 2012; 33: 1000–1004
3.LORENZ, D., REIMAN, M. (2011). "The role and implementation of eccentric training in athletic rehabilitation: tendinopathy, hamstring strains, and ACL reconstruction". Int J Sports Phys Ther. March 2011; 6(1):27-44