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"Core" significa núcleo, centro. É um termo habitualmente utilizado para descrever o centro de massa do corpo humano, a região abdominal. Por norma, é comum classificar uma região abdominal em boa forma quando é possível observar a definição do denominado "six-pack", o que corresponde à massa muscular do músculo reto abdominal. No entanto, o core é constituído por outros músculos, cujo papel tem um maior relevo e importância do que o reto abdominal, sobretudo em termos de estabilidade, o que é fundamental quer para a performance atlética de um atleta, quer para a prevenção de lesões.

O core, também conhecido por cilindro de estabilidade, é constituído, anteriormente, de mais superficial para mais profundo, pelos músculos: oblíquo externo, reto abdominal, oblíquo interno e transverso abdominal. Os músculos oblíquo externo e reto abdominal desempenham um papel de maior explosividade e dinâmica, enquanto que a musculatura mais profunda profere a estabilidade necessária para as extremidades do corpo terem uma maior eficácia. Desde logo, é fácil perceber a importância da musculatura profunda do core, uma vez que é responsável pela estabilidade fundamental do nosso corpo. Primeiro ponto importante a reter: um "six-pack" definido não confere obrigatoriamente uma boa estabilidade do core, ao invés que uma boa estabilidade é a base fundamental para uma eficiente dinâmica.

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No desporto, quando se considera que um atleta tem um bom core, significa que esse atleta tem uma boa estabilidade do core, e não propriamente uma boa definição muscular ou um visível six-pack. Na literatura da medicina desportiva, estabilidade do core é definida como o controlo dinâmico do tronco que permite a produção, transferência e controlo de força e movimento dos membros superiores e membros inferiores. Também pode ser definida como a capacidade para manter ou recuperar o equilíbrio do tronco após uma perturbação externa ou desequilíbrio. Vários estudos concluíram que os músculos do core são ativados antes dos músculos dos membros superiores e inferiores, de modo a conferir a estabilidade necessária para o movimento.

O défice do controlo e da estabilidade do core tem, portanto, influência sobre a produção de força e movimento dos membros, o que diminui de forma clara a eficácia de movimento dos mesmos. Ou seja, um mau core, um défice de estabilidade do core, pode aumentar o risco de lesão dos membros. Alguns estudos demonstraram a influência do core no aumento do risco de lesão do ligamento cruzado anterior do joelho, uma das lesões mais temidas e frequentes no mundo do desporto. Concluíram que quanto menor a estabilidade do core, maior será o risco de lesão do joelho.

O core é tradicionalmente treinado com um objetivo estético e de definição muscular, mas podemos constatar que tem um papel muito mais relevante, sendo fundamental na prevenção de lesões e aumento da performance atlética. A normal mobilidade monoarticular deverá existir antes de treinar a estabilidade, mas sem estabilidade não é possível ter uma boa mobilidade global ativa, fundamental em todos os gestos desportivos. Isto significa que o treino da musculatura abdominal tem sido abordado com um objetivo incorreto e de forma igualmente incorreta. Para breve reflexão: quantos gestos desportivos conhece que utilizem o movimento dos típicos abdominais, designados por crunches? O treino desportivo deverá ter sempre um objetivo, o que segue a definição de treino funcional. Como tal, os crunches representam um exercício pouco funcional.

Nos próximos parágrafos será descrita, de forma resumida, uma abordagem funcional e objetiva do treino do core, adaptada às características do hóquei em patins. De realçar o facto de que esta não é a única abordagem existente, sendo que métodos como Pilates, Yoga ou Hipopressivos são excelentes ferramentas para desenvolvimento do controlo da musculatura abdominal.

Parece-me pertinente a organização em pirâmide do treino de estabilidade do core, dividindo por níveis cada um dos degraus da pirâmide. Para domínio do trabalho de rotação do tronco, é necessário o controlo da musculatura abdominal profunda. Não faz sentido iniciar a construção do edifício pelo telhado e só no final construir o chão. É importante reter a ideia de que apenas podemos avançar para um exercício mais complexo, mais exigente ou com maior carga externa se for capaz de realizar sem dificuldade um exercício mais simples, numa postura mais básica ou apenas com o peso corporal. Estes são os fundamentos para um treino bem estruturado e com uma sequência lógica.

- Nível 1: controlo da musculatura abdominal profunda
Tal como acontece na construção de um edifício, na abordagem do treino do core é necessário começar pela base, ou seja, pela aprendizagem do controlo da musculatura profunda, o oblíquo interno e transverso abdominal. A contração destes músculos requer alguma concentração e prática, de modo a maximizar a eficácia da mesma. As manobras de "draw-in" ou "bracing" são normalmente utilizadas numa fase inicial para promover a consciencialização da contração muscular. De forma resumida, consiste na tentativa de aproximar o umbigo à coluna vertebral e elevar o umbigo simultaneamente. Ou seja, consiste em "encolher" a barriga e "puxar" o umbigo para cima. A fadiga é normalmente sentida na região abdominal inferior, e deverá ser evitada a proeminência abdominal. Esta contração deverá ser mantida por vários segundos e sincronizada com a respiração, sendo que o nível de dificuldade é aumentado através do aumento do tempo de contração e postura em que é realizada. Para aprendizagem deverá ser iniciada em decúbito dorsal (deitado sobre as costas), evoluindo até à posição de pé, durante 10 segundos e progressivamente aumentando o tempo. Estes exercícios deverão ser praticados até obter o domínio da contração da musculatura abdominal profunda, sendo sincronizada com a respiração.

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- Nível 2: trabalho isométrico
Após dominar o controlo da musculatura abdominal profunda, é importante aumentar a dificuldade dos exercícios executados. Como tal, as pranchas isométricas podem assumir-se como um excelente exercício para treino de estabilidade do core. Durante estes exercícios é mandatório manter a contração da musculatura profunda (descrita no nível 1), assim como manter a sincronização com a respiração. A dificuldade destes exercícios poderá ser aumentada através do aumento do tempo de execução, assim como a postura utilizada, tal como é possível observar nas imagens. Estes exercícios têm como objetivo a ativação dos membros superiores e inferiores em simultâneo com a musculatura do core.

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- Nível 3: trabalho rotacional
Como último nível de dificuldade do trabalho de core, parece-me ser fundamental o trabalho das rotações do tronco, visto tratar-se de um dos movimentos mais utilizados no desporto, sobretudo no hóquei em patins. Este movimento de rotação requer uma base sólida de controlo da musculatura abdominal profunda, assim como da musculatura mais superficial, como é o caso do músculo oblíquo externo. Tal como foi descrito anteriormente, é requerida a contração da musculatura profunda (nível 1), associada à estabilidade obtida pelo nível 2. O trabalho rotacional é o vértice de uma pirâmide construída através de uma sequência lógica e gradual. Estes exercícios podem ser realizados com bola medicinal, com recurso a elásticos ou qualquer outro tipo de material que ofereça uma resistência externa progressiva. O grau de dificuldade destes exercícios pode ser aumentado através do aumento da resistência externa (aumento do peso da bola medicinal, por exemplo), pelo número de repetições efetuadas, ou pela posição dos membros inferiores, tal como pode ser verificado nas imagens seguintes. Nas imagens é possível observar o lançamento da bola medicinal contra uma estrutura sólida, mas parece-me pertinente realizar adicionalmente o mesmo exercício sem lançamento da bola, realizando a "travagem" na linha média do corpo, estimulando deste modo também o trabalho excêntrico.

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O treino de estabilidade do core é fundamental no programa de condicionamento físico de um atleta, quer para aumento da performance atlética quer como método de prevenção de lesões. Tal como referido nos artigos anteriores, este é apenas mais um dos parâmetros fundamentais descritos na literatura, que quando combinado com outros métodos preventivos e respeitando os tempos de trabalho e repouso, pode reduzir drasticamente a probabilidade de lesão. No desporto é fundamental que a nossa postura seja preventiva e não reativa. Porque prevenir é o melhor remédio.

Luís Mesquita
(Licenciado em Fisioterapia, pós-graduado em Fisioterapia Manual Ortopédica pela Curtin University of Technology)

BIBLIOGRAFIA

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3. HEWETT, TE., ZAZULAK, BT., MYER, GD., FORD, KR. (2005). “A review of electromyographic activation levels, timing differences, and increased anterior cruciate ligament injury incidence in female athletes”. Br J Sports Med. 2005;39:347-350
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